terça-feira, abril 11, 2017

Rock In Rio I: o pior que poderia acontecer para o Metal Nacional.

"O ROCK IN RIO de 1985 foi a pior coisa que poderia acontecer para o Metal Nacional", disse ROBERTINHO DE RECIFE no documentário Brasil Heavy Metal. Mas como assim? Um festival de 10 dias numa época que shows internacionais nem existiam trazendo IRON MAIDEN, WHITESNAKE, SCORPIONS, AC/DC, OZZY OSBOURNE pela primeira vez à América o Sul, além de repetir o sucesso do QUEEN, como isso poderia ser ruim? O que o guitarrista do METAL MANIA quis dizer foi que o Rock in Rio chega ignorando tudo que já existia de Rock pesado no Brasil e apresenta o Heavy Metal para o grande público de maneira estigmatizada e sensacionalista. 

O evento foi patrocinado pela cerveja Malt 90.
Vamos entender o contexto da época. Nos anos setenta e no começo dos anos oitenta era raro artistas internacionais de Rock se apresentarem na América Latina. O motivo? Nosso povo era governado quase que exclusivamente por Ditaduras Militares financiadas pelos Estados Unidos da América, justificadas como forma de conter "o avanço comunista", na região; mas que de verdade era o método utilizado pelo governo yankee para usurpar as riquezas naturais e garantir - com apoio irrestrito de elites entreguistas - submissão dos latinos ao patrão do Norte. O mote das políticas públicas desses governos era proteger os interesses econômicos, por meio de hiper-inflação e arrocho salarial, concentração de renda, deixando os empresários e banqueiros cadas vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Esse modelo de "desenvolvimento" impossibilitava grandes investimentos em cultura, pois além da instabilidade política, a concentração de renda não permitia que o grande público pudesse ter dinheiro para pagar os ingressos. 

O primeiro show do IRON MAIDEN no Brasil foi no Rock in Rio. Foto: internet.
É nesse contexto que o Heavy Metal chega ao Brasil ainda no fim dos anos setenta e rapidamente se expande graças ao trabalho abnegado de zines, bandas e produtoras que começam uma cena underground nessas terras. O Rock pesado era underground e ignorado pela grande mídia; nos rádios, tevês e jornais. Nos anos oitenta, com a Ditadura dando sinais de abertura, a situação politica e econômica começa a estabilizar, permitindo a mais pessoas terem acesso ao Rock. Prova disso foram os shows do QUEEN em 1981, KISS e VAN HALEN em 1983; lotados e com mais gente querendo entrar e quem passava na porta não entendia o que se passava. Percebendo isso a Rede Globo, com produção do empresário Roberto Medina, resolveu investir no formato de mega festival,  pois só assim, grande e gigantesco, era possível baratear os ingressos e trazer as estrelas citadas para um grande público. E não só o festival era megalomaníaco, começando a ser divulgado em outubro de 1984, a promoção do Rock in Rio foi espalhafatosa, comparável a uma copa do mundo, quase como tornando o Rock uma moda.


Programação do evento.


Muito lembrado pelo pioneirismo e a coragem de investir quantia considerável de dinheiro e atrair público total de 1 milhão e oitocentos mil pagantes o primeiro ROCK IN RIO se tornou histórico pelo maior palco do mundo até então (5 mil metros) e também por marcar o início de grandes festivais de Rock'n'Roll no Brasil. Até então, as pessoas fora do esquema de shows pequenos, zines, bandas, não faziam ideia que existia esse tal de Heavy Metal e nem que eram tantos os seus fãs. Todavia, como mostraremos nesse artigo, o Rock in Rio chega ignorando tudo de Metal e Rock pesado que foi construído no Brasil até então, além de por meio de várias gafes e informações tendenciosas e sem cuidado da jornalístico da Rede Globo, acabou por desconstruir e deturbar o que já havia. E estamos falando de coisas mais sérias do que dizer ao SCORPIONS que índios brasileiros usam instrumentos primitivos, que "I Want to Break Free" é uma música sobre o movimento gay, Eddie - O monstro, o vocalista Brian Dickinson  e outras pérolas do jornalismo Globo (inclusive a única emissora a cobrir o evento) disponíveis no youtube....

Jake Lee e Ozzy ao vivo em 1985. Foto: internet.

01 . O termo metaleiro.

Foi numa reportagem de Leilane Neubarth que surgiu esse famigerado termo. Entre sí, no underground, os Heavies se intitulavam Headbangers. Headbanger era nome dado aos adeptos do Heavy Metal entre sí e no seu próprio meio; assim como Rock, Punk ou Metal é uma palavra cuja tradução é desnecessária. Todavia, a Rede Globo resolveu desrespeitar isso, pois uma política interna da emissora de "evitar palavras em outros idiomas" foi considerada mais importante do que as pessoas as quais eles faziam matéria. Resultado: para o grande público fã de Heavy Metal é metaleiro; público esse que só ficou sabendo que o Metal existe pela Rede Globo.

Para os Headbangers, metalúrgico é quem trabalha com metais em geral, metaleiro é um termo pejorativo, um xingamento, pois sua origem é daquelas pessoas que não entendem de Metal e não fazem parte do grupo. Assim metaleiragem, e derivados, são sinônimos de pagas paus entre os headbangers; que são tratados como Metaleiros por uma sociedade que poderia entendê-los melhor caso o maior canal de televisão do mundo tivesse feito um trabalho apropriado de jornalismo. Em boas palavras: se a Rede Globo fosse respeitosa essa abominação do "metaleiro" não existiria.

Capa de uma revista da época, com foto do vocal do IRON MAIDEN sangrando após levar uma guitarrada em "Revelations".

02 . Escrever Rock and Roll errado (Rock in Roll).

Esse foi um efeito colateral do festival, mas que também a cobertura jornalistica da "festa dos metaleiros" não se preocupou em corrigir. Já existia mídia especializada de Rock pesado no Brasil antes do Rock in Rio, como por exemplo a Revista Metal. Discos de discos nacionais já eram lançados, porém o esquema de divulgação tão massivo do massivo do ROCK IN RIO, tinha fundos e recursos antes inimagináveis. Assim o fato de o festival chamar Rock IN Rio (Rock no Rio) sugestionou as pessoas a escrever Rock in Roll (Rock no Roll) ao invés de Rock AND Roll (Rock e Rolar). Tal efeito nocivo poderia não existir se a Rede Globo tivesse buscado quem eram os zineiros e jornalistas musicais da época.

OZZY com camiseta do Flamengo, demonstrando saber mais de Brasil do que a Rede Globo sabia de HEAVY METAL.

03 . Falta de um representante nacional.

Esse é o ponto fundamental do artigo. Em janeiro de 1985 já faziam dois anos e meio que as bandas nacionais editavam de maneira independente seus discos no Brasil (o marco zero sendo o STRESS em agosto de 1982). Porém, como já citado anteriormente, o festival simplesmente ignorou isso no seu cast. Ainda que o Metal feito no Brasil carecesse de instrumentos e equipamentos de ponta, o festival simplesmente nem se importou com tudo que já existia e colocou no cast artistas de MPB, Rock Br 80 e inclusive estrelas internacionais da New Wave e Música Pop e nem sequer se cogitou em procurar mostrar ao grande público similares tupiniquins ao IRON MAIDEN, SCORPIONS, etc. Sejamos sinceros e sem querer desmerecer:, a maioria do público queria o AC/DC e não o PARALAMAS DO SUCESSO! Nem mesmo o próprio ROBERTINHO DE RECIFE, que lançara no ano anterior o LP "Metal Mania" por uma grande gravadora foi cogitado. Nem nomes da  décadas passada, mas ainda ativos como MADE IN BRASIL e PATRULHA DO ESPAÇO foram considerados. O grupo nacional mais pesado do festival era o BARÃO VERMELHO (e inclusive foi o único a não ser vaiado pelos "metaleiros")!

Muito se diz que o Rock in Rio abriu o interesse das gravadoras para o Metal Nacional. Todavia, até onde apuramos somente o STRESS conseguiu lançar disco por uma grande gravadora imediatamente após o festival. Os paraenses foram seguidos do INOX em 1986. Todavia, as gravadoras foram tão displicentes que o primeiro disco, "Flor Atômica", saiu com uma música sem voz e o segundo, "Inox", saiu com um erro de prensagem que impossibilitava que ele fosse ouvido. Demorou muito ainda para as gravadoras alavancarem o Metal Nacional, e o festival, nada fez para agilizar o processo. O Rock in Rio fez o brasileiro mediano, padrão, ver o Heavy Metal como algo pitoresco. A industria e a mídia não teve qualquer interesse de desenvolver a cena metal no Brasil. Teria sido diferente com uma banda nacional representando o nosso metal? Eis a questão!

WHITESNAKE com a "Formação Galática".

04 . Mercantilização do Rock.

Durante as duas semanas do evento vendeu-se 1.600.000 Litros de bebidas em 4 milhões de copos, 900 mil sanduíches, 500 mil fatias de pizza, o Mac Donalds entrou para o Guiness pela alta vendagem de hamburgueres... o Rock in Rio era para vender. E o Rock também se tornou um produto a ser comercializado. Por ser um produto ele perdeu suas características que o definiam nas reportagens da Rede Globo, inclusive mesclando o Metal ao New Wave!!!! É bem verdade que as Galerias do Rock em São Paulo e Belo Horizonte receberam muito mais adeptos após os festival, e que as lojas venderam mais camisetas e discos, porém também é verdade também que esse público foi se dissipando ao perceber que no underground o Rock pauleira era outro que aquele mostrado na televisão. O evento também não buscou as bandas internacionais 'novas' de Rock Pesado que faziam a cabeça dos headbangers como METALLICA e SLAYER apostando em artistas que eram supostamente "lucro garantido". Em suma, o Rock in Rio não representava o que era o Heavy Metal foras das luzes e holofotes da Rede Globo.


Imagem clássica do festival, quando o MAIDEN visitou o Rio de Janeiro.

05 . A não continuidade.

Finalizando, o Rock in Rio não teve continuidade. Nos anos seguintes as tours de nomes como VENON, EXCITER, QUIET RIOT etc que se realizaram no Brasil foram iniciativas underground, feitas por aquelas mesmas pessoas que já se esforçavam pelo Metal no Brasil antes do Rock in Rio e continuaram suas investidas independente do festival, pois o ROCK IN RIO se fez independente do que existia de Metal pesado no Brasil. "Os caras foram embora, acabou", definiu bem Rolando Castello Júnior (do AEROBLUS e diversas outras bandas já citadas).

As falhas no microfone do Bruce Dickinson, ou o AC/DC tocando Hells Bells com um sino de gesso foram ruins, mas foram o menos pior que ocorreu no Rock in Rio. Parte do público pode assistir shows internacionais que até então nunca sonhariam ser possíveis. A democracia vinha chegando no Brasil concomitantemente com o Metal ganhando espaço na mídia. Porém, o sonho se tornou pesadelo, pois o Rock in Rio estigmatizou e ridicularizou os Headbangers, não deu espaço para quem já estava na cena mostrar seu trabalho e não contribuiu para o crescimento dessa cena.

10 comentários:

  1. faltou Vulcano , Harppia, entre outros se hoje temos os preços de Shows de Rock super caros devemos também a esse modinha do Medina e ter nos transformados em "ricos" quando a Grande maioria de Rockeiros somos proletários .

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  2. Muito interessante e válida sua explanação sobre o Rock in Rio. E nós do underground seguimos em nossa batalha!

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  3. Reflexão fundamental e muito bem fundamentada: parabéns pelo artigo!!! \m/

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  4. Medina é um porco! Faz fortuna com um festival onde diz ser de rock, mas é só no nome mesmo.

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  5. Artigo ingênuo e sensacionalista, viajou na maionese...passo.

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  6. A verdade é que o Brasil não tem uma cultura rock, justamente porque a mídia insiste dizer que não temos rock! Sem desmerecer as bandas dos anos 80 (as nacionais são a minha principal influência) mas as que estavam na mídia faziam um rock que soava mais como pop enquanto as "underground" faziam o rock de verdade. Hoje em dia a cena anda se repetindo a mais bandas nacionais de rock independestes e no "underground" que nunca veríamos na mídia, só a conhecemos graças a internet. A verdade é que se quisessem o rock estaria em alta contudo desde que a mídia quisesse pois ela não se importa com o ouvinte e sim enfiar "goela abaixo" o que jabá manda e sem contar que a pior desgraça nem mais tanto o jabá mas sim o "pensamento alinhado" ou seja, se você não pensar como eles, você está condenado ao anonimato e pra isso não importa o estilo.

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  7. Muito bom o texto e a linha de pensamento apresentando forma e conteúdo de bastante relevância. Infelizmente o Brasil ainda engatinhava em todas as esferas profissionais, os erros crassos eram no mínimo, vendo por outro prisma, de uma ingenuidade digna de uma criança ainda aprendendo à ler. O termo "metaleiro" apesar de soar pejorativo, não deixa de ser caricatural...Possivelmente derivado de comparações do tipo: Quem curtia Rock, era Roqueiro ou quem curtia Blues era Blueseiro (Ai,,,que esta doeu na alma...HAHAHA!)...De toda forma rendeu e rende muitas piadas, que podem até ser inadmissíveis para muitos, mas para pessoas com um pouco mais de discernimento e bom humor, podem entender que este tipo de conduta só demonstra a falta de cultura e ignorância de um povo de um modo geral...It's Only Rock and Roll, Baby!

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  8. Muito interessante, Will... Realmente, é a sociedade do espetáculo e o mercantilismo insano querendo derrubar a verdadeira cultura underground.

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  9. Entendo seu raciocínio mas o próprio Rock and Roll não se resume a Heavy Metal. Com certeza o festival foi feito para ganhar dinheiro, não iriam investir em nomes desconhecidos. Criticar agora é fácil, mas na época foi um evento histórico e revolucionário para os padrões vigentes. Faltaram muitos nomes, representantes do punk,e uma banda sensacional de Rockabilly chamada “ Stray Cats”, quem conhece sabe que os caras eram foda!!!

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