terça-feira, fevereiro 12, 2019

Rata Blanca: 30 anos do disco que mudou o Metal na América Latina.

Publicado originalmente no site La Izquierda Diário, do PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas), em segunda-feira, 17 de dezembro de 2018, sob o título de "Treinta años del disco Rata Blanca, o una nueva forma de entender al heavy argentino".

Texto de Juan Ignacio Provéndola.

http://www.laizquierdadiario.com/Treinta-anos-del-disco-Rata-Blanca-o-una-nueva-forma-de-entender-al-heavy-argentino...

Tradução e adaptação: Willba Dissidente.




Hoje, nessa segunda, se completa três décadas que saiu um álbum fundamental para a cultura do Metal: aquele que levou ao gênero a estândares de som e qualidade inéditos.

Um castelo em cima de uma coluna e uma lua cheia recortando a noite. Assim se apresentava na sociedade RATA BLANCA, a banda que havia formado o guitarrista Walter Giardino depois de ser destratado e despedido do V8. Dentro dele se encontrava o vinil que ao ser colocado no toca-discos despencava um órgão de igreja intenso e penetrante. Era o prelúdio de "La Misma Mujer", primeira canção do primeiro disco que um grupo lançou em 17 de dezembro de 1988 para elevar os estândares da incipiente cena metal argentina e também introduzir ao gênero dentro de uma cultura rock que acabava essa década de expansão popular admitindo a beleza da violência que saim dessas guitarras monolíticas.



Se fazem trinta anos de um disco fundamental. Um disco que marcou uma nova maneira de olhar e entender a cultura heavy  na Argentina. A seus sons e a seus gostos. Um disco que consagrou RATA BLANCA  sobre todo no artístico, já que no comercial isso compete ao disco seguinte "Magos, Espadas e Rosas"; um disco fabuloso que consagrou RATA pelo artístico, mas ao mesmo tempo a banda no simbólico. O disco insinuo um caminho determinado e gerou uma expectativa nesse sentido que logo foi mudada em função do êxito gerado pela primeira era de Barilari (como vocalista). Grande parte dos questionamentos que pode receber da banda então foi mais por culpa esse grande disco chamado "Rata Blanca", uma verdadeira jóia não só da discografia Heavy argentina, mas da cultura rock em geral.

O disco "Rata Blanca" ofereceu a Argentina algo que ainda não se havia nem visto nem ouvido. Um álbum furioso, inocente e sincero que deixava em meia hora uma qualidade e maduridade inesperada para um trabalho de uma banda com integrantes com menos de 25 anos de idade. Entre essa voz diferente mas cativante de Saúl Blanch (nota do tradutor: o veterano do PLUS tinha 38 anos) e as orquestrações de Walter Giardino, o primeiro guitar-hero do Heavy argentino (nota do tradutor: se desconsiderando Pappo e Osvaldo Civile). Um cara que no disco brilha virtuoso, arrebatado, elegante, obsessivo, soberbo. Para ser um herói da guitarra tem de se ser fanfarrão? Para alguns esse último suponhe ser ordinário, uma atitude reprovável. Para outros, em troca, resulta a manifestação da confiança em seus próprios atributos, despojando-se de falsa modéstia.

Giardino impôs um estilo próprio após ser despedido por outro guitarrista. Como toda paixão, a raiva também é um motor da arte. E nesse caso funcionou como impulso criativo para afrontar uma vingança disfarçada de desafio." Para ser feliz tem que ser valente", reconheceu o guitarrista em 2013, pouco antes de rearmar a formação original de Rata para uns shows comemorativos no micro-estadio Malvinas Argentinas.

O disco foi algo assim como o duelo final da falida experiência no V8, banda que Giardino saiu após se sentir diminuído. "Miguel Roldán me disse que eu estava louco se eu quisesse que eles tocassem aquilo. Esse foi o princípio de minha despedida", explica Giardino, quem durou no V8 o tempo que Roldán, o outro guitarrista da banda, demorou para lhe revelar que eles não tocariam as que quatro músicas que Giardino havia composto para o grupo.







Seu amigo Roberto Cosseddu (então baixista do KAMIKAZE) o percebeu sem alento e recomendou que ele gravasse uma demo com essas composições para serem enviados ao estúdio Abbey Road, onde então Cosseddu tinha alguns contatos gerados nas viagens que fazia a Europa para munir-se dos vinis que ele vendia na Music Shop, sua loja de discos no bairro portenho de Flores. "Depois do V8 me parecia muito difícil continuar tentado as coisas na Argentina porque não via muito entusiasmo no Heavy, mas depois da sugestão que Roberto me deu animei em armar um banda e gravar esses temas", conta Giardino.

O primeiro que apareceu foi Gustavo Rowek; baterista dos primeiros discos do V8 e autor de "Destruicción", sua canção transcendental, quem em simultâneo estava armando com Osvaldo Civile (outro ex-V8), a proto-história do que logo seria o HORCAS. O círculo se fechou com o cantor Rodolfo Cava e o baixista Yulie Ruth, esses emprestados de ALAKRAN. Essa formação sem nome gravou "Chico Callejero", "Rompe el Hechizo", "Gente del Sur" e "La Bruja Blanca", as quatro canções que Giardino havia composto originalmente para o V8.


O resultado entusiasmou Rowek, quem abortou seus planos com Civile e convenceu Giardino de trabalharem juntos na continuidade desse projeto. "Gustavo me disse para tentar algo mais, mas teríamos que voltar a busca musicistas, porque Rodolfo e Yulie só vieram gravar a demo", recorda Giardino, quem então estava se vinculando com Saúl Blanch, ex-vocalista do de Hard Rock setentista PLUS. "Um dia vi a Sergio Berdichevsky tocando guitarra na banda WC e gostei de sua energia e sua postura em cima do palco; e por meio dele conhecemos (o baixista) Guillermo Sánchez no Pub Stud Free de Belgrano, em uma dessas noites de rock".

O grupo debutou em 15 agosto de 1987  para 600 pessoas no Teatro Luz e Fuerza com implatação cenográfica impactante graças a colaboração de Federico Rowek, pai de Gustavo e diretor de iluminação do Teatro Cervantes. Só que Saúl cantou só um show e se retirou da banda. O substituíram sem êxito pelo platense Carlos Périgo (que deixaria a letra de "Días Duros", gravada no exitoso disco "Magos, Espadas y Rosas"), novamente Rodolfo Cava e Shito Molina, quem ficou sem voz pouco antes de gravar o primeiro long play.

Pressionados pelos tempos e compromissos com a gravadora, Giardino e Rowek voltam a solicitar os serviços de Blanch, quem pôs a voz em sete das nove canções gravadas. As outras duas, "Preludio Obsesivo" e "Otoño Medieval", são de caráter instrumental e aparecem assinadas por Roberto Conso, quem segundo um boato de forte circulação figurou nos créditos para cobrar uma dívida que a banda mantinha com ele. "Isso não está correto", esclarece Giardino. "Era um produtor que trabalhava conosco e foi forçado essa clausula para incluir-lo nos créditos; ainda que com o tempo ele não me devolveu os temas. Óbvio que ele nada teve a ver com essas composições. Acho que se você pendurar uma guitarra nele e o pedir para 'Preludio Obsesivo', ele ficaria fazendo biquinho com a palheta entre os dedos", disse , entre risadas sérias.


Quantos argentino que aprenderam a tocar  guitarra não sonharam com tocar "Preludio Obsesivo"para se exibir? Na cadeia evolutiva das incorporações culturais, as canções passam a um estágio superior não só quando muita gente as cantam ou as sabem, se não também quando muitos as valorizam como algo digno de ser aprendido. Qualquer pessoa que aprende um instrumento escolhe para interpretar aquelas canções que o fazem vibrar profundamente e movem sensações positivas.
O disco foi gravado entre 10 e 22 de agosto de 1988 com equipamentos emprestados das bandas LETHAL e SABOTAGE, e se gastaram em torno de U$D 3.000,00. Na capa, como dissemos, aparece o castelo sobre a colina na frente da lua. E no dorso forma-se a fotografia em preto e branco de um quinteto que nunca mais voltou a reunir-se, já que pouco depois que o disco saiu Saúl Blanch abandonou a banda, dando lugar a Adrián Barilari e uma era de êxito furioso.

Mais que um vinil, aquele disco era uma genuína pedra preciosa com inserções mais ou menos evidentes, definitivamente mais próximos a homenagem e a releitura reverencial que a cópia pela cópia mesmo, tais os casos del a la ACCEPT de "La Misma Mujer", a guitarra cavalgada de "Solo para Amarte" com o mesmo síncope de Blackmore em "Highway Star", as intervenções possuídas pelo espírito de MALMSTEEN em "Rome el Hechizo" ou os falsetes dignos de Rob Halford ao que Blanch foi capaz de chegar em "El Ultimo Ataque"; uma das canções mais notáveis de toda a discografia ratera.



Canções de tamanho inédito, oito minutos (o dobro que RIFF ou v8 faziam), passagens de grande riqueza harmônica, compositiva e instrumental e a orientação a certa predição fantástica com castelos, ciganas e demais argumentos medievais. Walter Giardino introduziu na cosmologia doméstica uma literatura chave do heavy anglo-saxão mas até então inexistente na cena argentina.

As exceções a isso são "Gente del Sur" y "Chico Callejero", únicas referências explícitas ao contexto social e político. A primeira fala da Guerra das Malvinas e a outra reivindica a juventude dissidente. Se bem o dialogo ou o registro do disco com tempo e espaço se reduz só a essas duas canções, entre ambas se trás um eixo interessante que vai desde a crítica a violência do Estado a necessidade de questionar uma ordem estabelecida por ser democrática nada significa em sí. O disco é produto de uma juventude que trabalhou sua identidade entre as necessidade e urgências da pós-ditadura. Tribulações que quase se podem sentir no próprio som do disco. Precário, mas filosófico; limitado, mas cintilante. Urgente e furioso. A falta de recurso terminou dando ao play uma ambientação tão encatadora que o próprio Giardino rechaçou a regravá-lo cada vez que o propuseram.



Contam que para os renovar o contrato, a gravadora Polygram os exigiu vender pelo menos quatro mil cópias no semestre seguinte ao lançamento. Depois de lançá-lo em 17 de dezembro de 1988 no Teatro Alfil, esse número quadruplicado y RATA BLANCA se ganhou o direito a gravar seu álbum seguinte, para o qual já tinham quase todas as canções de antemão.  "Era uma etapa muito criativa, ao ponto que quando gravamos o primeiro disco já tínhamos quase todo o material para o segundo", aponta o guitarrista. Se trata de "Magos, Espadas e Rosas", já com Barilari na voz de uma época de promoções frenéticas e alcances massivos. De centenas de shows e turnês por ano, também de êxitos radiofônicos como "Mujer Amante" ou "La Leyenda del hada y el mago", playbacks em Ritmo de la Noche ou shows no circuito de bailes como atalho para sortear a escassez de salas rockers. 

A bíblia usada como papel higiênico (*), ou ao menos os fizeram crer aqueles que puseram em dúvida sua reputação e sua legitimidade, viciando a nulidade os alcances artísticos do grupo em virtude de concessões que eles pre-julgavam improcedentes. "Nos banalizaram estupidamente, como se a banda era só uma música  ou havia chegado onde chegou por haver tocado no programa de Tinelli", dispara Giardino com a mesma inclemência que fez guinchar as cordas de um disco que completa trinta anos, mas será eterno.



(*) NOTA DO TRADUTOR: "Ves llorar la bíblia junto el calefón" é um estrofe do tango "Cambalache" de Enrique Santos, querendo significar algo utilizado aquém do que deveria. Na Argentina do começo do século XX a bíblica era distribuída pelo governo às pessoas mais pobres. Muitas vezes sem poder comprar papel higiênico, ela era colocada na casa dos trabalhadores perto da torneiro de água quente  (cajefón) para ser usada como papel higiênico.

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